Nesta quinta-feira (11), o Festival de Filmes do Centro de Cultura Raul de Leoni exibe o filme “Lua de Fel”, de Roman Polanski, às 19h, no Cine Humberto Mauro. A entrada é gratuita.
Um breve relato: a mulher dos seus sonhos assiste à novela, deitada no chão, quando de repente se levanta, chega até a tv e urina ali mesmo. O homem, desesperado, em êxtase se aproxima, vira a mulher e deixa o líquido cair sobre seu corpo. É nessa pequena tara sexual que uma relação de um amor e paixão avassaladores se transforma no ato sórdido de submissão, sadomasoquismo e humilhação de uma mulher sobre seu marido.
Lua de Fel (1992) de Roman Polanski, conta a história do casal Nigel (Hugh Grant) e Fiona (Kristin Scott Thomas) que num cruzeiro para a Índia, conhece Oscar (Peter Coyote) e a bela Mimi (Emmanuelle Seigner). Durante as tardes, Oscar, de uma cadeira de rodas, narra para Nigel sua vida sexual com Mimi nos mínimos detalhes, o que acaba por tornar Nigel uma vítima desse constante jogo sexual masoquista empreendido pelo casal.
Polanski retoma na obra uma das linhas de sua filmografia: o desejo sexual como um impulso de destruição do ser humano. Aliás, seu primeiro sucesso no cinema, Repulsa ao Sexo (1965) parece tratar do mesmo assunto só que às avessas, enquanto que a repulsa à prática sexual leva a violência em um, no outro, quase 30 anos depois, é o excesso, a falta de limites que leva a derrocada da dignidade humana. Dessa vez, com requintes de crueldade, somos levados pelo desprezo e pela vingança, ambos sentimentos que alternadamente dão o tom que percorre a obra. O que o filme nos apresenta é uma linha tênue e instável que estabelece a normalidade de um relacionamento que em segundos, pode passar do completo tédio e marasmo para uma zona completamente inabitável em que seja impossível a sobrevivência. O embate, então, se dá entre controlar o desejo ou deixa-lo fluir e jogar pelo mundo. As soluções não são fáceis.
Pode-se dizer que o cruzeiro – um barco lançado ao mar – faz parte do conceito que percorre Lua de Fel, como se os relacionamentos fosse como essa navegação à deriva pelo desconhecido: com momentos de profunda beleza em que o corpo se liga ao sublime e momentos de desespero em que ressacas e maremotos assolam os tripulantes.
Em uma direção segura, que sabe mesclar a narração e o flashback sem que se perca a tensão que recai sobre a fraca e perdida atuação de Hugh Grant, Polanski dimensiona três campos de produção de desejo: a palavra, a memória e o corpo. Os três se apresentam e se potencializam numa relação de trocas, atraindo cada um para seu lado toda a dinâmica que “texto-visual desejante” que se possa obter. Emmanuelle, lindíssima, mantém o olhar do espectador fixo na promessa ingênua e quase pueril da realização de todos os desejos, ao mesmo tempo em que Coyote, com seu Oscar na cadeira de rodas, representa a impossibilidade do desejo e do movimento, que no decorrer da trama se junta numa improvável aproximação com Nigel. A fixidez que torna Oscar detestável e hostil, com um impulso de desejo claramente se delineando numa postura de violência da palavra, única forma que resta para que ele se defenda de Mimi, a sua mulher que não pode mais ser.
O resultado? Um jogo de desejos que se acumulam até o ponto limite. Depois disso, o caminho é duplo: ou a promessa libertária do sexo se realiza ou toda tensão violenta explode. Para isso, é preciso assistir o excelente filme desse pouco valorizado diretor. Polanski e Lua de Fel valem cada segundo desperdiçado com a vida desgraçada desses personagens à deriva nas próprias vidas.
Luiz Antonio Ribeiro é dramaturgo e poeta, formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO – Univesidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, onde atualmente cursa Letras – Português/Literaturas.