Caetano Veloso canta em um rap-canção chamada Americanos o seguinte:
Americanos são muito estatísticos
Têm gestos nítidos e sorrisos límpidos
Olhos de brilho penetrante que vão fundo
No que olham, mas não no próprio fundo
Os americanos representam boa parte
Da alegria existente neste mundo
Já Rodrigo Bittecourt compôs uma canção chamada Cinema Americano cujo começo é:
Tão homem tão bruto tão coca-cola nego tão rock n’roll
Tão bomba atômica tão amedrontado tão burro tão desesperado
Tão jeans tão centro tão cabeceira tão Deus
Tão raiva tão guerra tanto comando e adeus
Vejo esses dois trechos e percebo que grande parte do filme O Grande Herói está traduzido neles. Caetano, em sua maneira ambígua e tropicalista, vê um americano técnico, preciso, mas sem densidade e, por isso, um dos poucos povos capazes de serem alegres. Enquanto isso, Bittencourt vê o americano como aquele capaz de ser tudo “tão” exageradamente, projetadamente, absurdamente e arrebatadoramente. Talvez, por tanto “tão”, ele arremate ao final: “prefiro os nossos sambistas”. O Grande Herói, de Peter Berg, reflete essas duas faces americanas: de um lado projetados no mundo, com alegria de fazer parte de um império que se sente responsável por tudo, mas ao mesmo tempo megalomaníacos na ideia de que tudo o que se vê ao redor, não importa onde esteja, é apenas o seu quintal.
Vamos à sinopse: o filme conta a história de quatro oficiais da marinha que participam de uma operação para a captura e morte de um dos braços direitos de Osama Bin Laden. Ao chegarem a uma montanha, são atacados por Talibãs e precisam se esconder. Baseado em fatos reais, a obra é o relato de Marcus Luttrell (Mark Wahlberg), um desses oficiais sobreviventes.
Dentro dessa lógica de que “os americanos são os heróis do mundo”, o filme se desenvolve a partir da criação desses “homens de ferro”, que fazem treinamentos que muito se assemelham aos do BOPE, retratados em Tropa de Elite. Eles se orgulham de sofrerem na preparação e serem homens diferenciados. Mesmo assim, enquanto estão em território estrangeiro em suas bases militares, ainda conseguem manter o cinismo de agirem baseados numa moral e numa liberdade, como quando deixam que alguns civis escapem ilesos. Para eles é bondade, não justiça. É ética, não uma regra. No entanto, está é a derrocada deles.
A partir daí, o filme, que até então andava em ritmo lento, apontando vácuos e silêncios, entra num movimento alucinado de perseguições e tiros que permanece até o último segundo. O interessante dessa abordagem, e o que dá tons diferenciais à obra, está no fato de que dessa vez os heróis não são postos de maneira a simplesmente lutarem pela sobrevivência, ou darem suas vidas a uma causa maior da nação. Mesmo que isso aconteça, as ações não parecem justas e não parecem nobres, pelo contrário, existe ali um patético desespero.
Acontece que O Grande Herói ainda está na chave exposta no começo, entre a alegria e o exagero. Então, se torna mister uma espécie de redenção do bem, como se houvesse uma virtude máxima alegórica perpassando o conceito que vem desde o relato do soldado, e chega no roteiro e na direção. Antes de tudo, este pretende ser um filme de ação ético, o que é, no mínimo, risível. Até o fato de ser uma história real, como sempre, carrega essa ideia de que é uma história de superação e de vitória. Pode-se dizer que o filme guarda bons momentos na frente da tela, mas talvez seja só isso. Como diz Caetano, muitas vezes, o americano vai fundo, mas não no próprio fundo.
O filme está em cartaz no Top Cine Hipershopping ABC, com sessão às 17h e 21h10. A classificação é 14 anos.
Luiz Antonio Ribeiro 28 anos, dramaturgo, letrista, crítico e flamenguista. É bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja e ócio criativo. Desde 2011 é membro do grupo Teatro Voador Não Identificado. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul