Quando tinha três anos, Eunice Marques de Araújo – hoje com 57 anos – perdeu a visão em decorrência de meningite e sarampo. A condição nunca foi impedimento para que ela realizasse tarefas em casa, mas a cozinha sempre representou um desafio maior. Apesar de gostar e querer se aventurar no preparo de refeições, Eunice sempre teve um pouco de receio na cozinha. Contudo, seu sonho de cozinhar pratos diferentes – especialmente os grelhados – está se realizando: ela é uma das alunas da oficina de culinária para deficientes visuais – cegos e baixa visão – do CREI – Centro de Referência em Educação Inclusiva João Pedro de Souza Rosa. No local são atendidos os alunos da rede municipal que se enquadram na modalidade de educação especial.
Atualmente, 260 alunos estão sendo atendidos no CREI por meio do Atendimento Educacional Especializado – AEE e das atividades complementares dirigidas. As aulas de culinária para os deficientes visuais começaram esse ano.
“Essa é uma das atividades direcionadas que são oferecidas no CREI. O apoio ao desenvolvimento integral e à emancipação desses alunos são objetivos das oficinas. Queremos mostrar que eles têm toda a capacidade para fazer as atividades da rotina diária, apenas de uma forma diferenciada. Os professores são capacitados e muito dedicados aos alunos. O CREI é um orgulho e um destaque na nossa rede municipal de Educação”, disse a secretária de Educação, Samea Ázara.
As aulas de culinária são ministradas pelo professor e culinarista Vitor Pizzi. Atualmente, três alunos cegos estão participando dos encontros – que ocorrem de forma individual. As aulas de Eunice ocorrem às segundas-feiras. O primeiro passo é a escolha da receita. Professor e aluna escolhem o prato que será preparado através de uma pesquisa na internet. Eunice faz a pesquisa através de um programa específico, desenvolvidos para pessoas com deficiência visual, que faz a leitura da página. Após a escolha da receita, Eunice coloca o avental, faz a higienização das mãos e coloca a “mão na massa”, sempre acompanhada pelo professor.
“É um desafio. Mas eu sempre quis aprender coisas novas. Na cozinha, faço refeições ensopadas por medo de me machucar ao tentar fazer de outra forma. O professor é muito atencioso e exigente. Ele me deixa muito a vontade para falar das dificuldades e me ajuda no passo a passo, o que é o mais importante. Estou muito animada e grata por participar dessa oficina”, disse Eunice.
Além de manusear os instrumentos da cozinha e preparar as refeições, Vitor já acompanhou Eunice em um dos mercados da cidade. A intenção foi a de mostrar como ela pode fazer as suas próprias compras. “Essa atividade também faz parte das aulas. Escolhemos um mercado que fica próximo da sua rotina diária. No local, Eunice aprendeu a identificar onde os produtos que ela mais compra ficam, conheceu produtos novos e ficou a vontade para comprar os alimentos que ela gosta e precisa, sem precisar perguntar aos funcionários do mercado. Essa atividade também serve para mostrar aos donos desses empreendimentos que há a necessidade de ter em cada corredor, a identificação em braile das seções para que esse público se sinta à vontade para fazer as suas compras”, explicou Vitor.
As aulas oferecem o suporte para a emancipação desses alunos. “Essa aula faz parte do nosso projeto Vida Independente. Queremos os alunos tenham esse suporte e se sintam seguros nas atividades da rotina diária. Emancipação, segurança, autonomia e, principalmente, queremos que eles tenham prazer nessa rotina”, contou Renata Ghedon, orientadora do CREI.
Livro de receitas em braile
O próximo passo do professor Vitor e de seus alunos será o lançamento de um livro de receitas em braile. “Já estamos selecionando as receitas e montando o livro. Essa ideia também surgiu a partir da necessidade deles. Eles estão animados com a ideia e queremos fazer um lançamento para mostrar a importância desse gesto para outras pessoas que também dependem do braile”, explicou Vitor.
“Hoje em dia ainda é difícil encontrar receitas em braile. Nos mercados, alguns produtos conseguimos achar, mas, não são todos. Estou muito animada com o livro e já pensando em uma tarde de autógrafos no lançamento”, disse Eunice.
CREI: atendimento especializado, esporte e artes
Além da oficina de culinária, os alunos que participam das atividades no contraturno escolar têm acesso a oficinas de informática, ensino lúdico na perspectiva do desenvolvimento integral da criança, braile, técnica de baixa visão, orientação e mobilidade e estimulação tátil. Além das oficinas de psicomotricidade, arte, música, teatro, gastronomia, capoeira, oficina da palavra e da sala de recursos multifuncionais.
Os alunos que participam das aulas de culinária também são responsáveis pela Horta Sustentável. Eles plantam, cuidam da horta, colhem os alimentos e os utilizam nas receitas. Os alunos do CREI já colheram na horta: alface roxa, crespa e romana, rúcula, tomate cereja, abobrinha italiana, berinjela, pepino, jiló, salsa e cebolinha, couve e os temperos tomilho, manjericão, sálvia e alecrim.
“As atividades contribuem para o desenvolvimento e melhor rendimento pedagógico dos alunos que apresentam distúrbios funcionais e/ou déficits de aprendizagem, através do Atendimento Educacional Especializado – AEE e das atividades complementares dirigidas. Vale salientar que, o encaminhamento de alunos para o Centro de Referência deve ser feito por meio de ofício da escola onde ele está matriculado para o Departamento de Educação Especial, com justificativa para solicitação”, explicou a diretora do Departamento de Educação Especial da Secretaria de Educação, Bianca Caetano.
O Centro de Referência em Educação Inclusiva João Pedro de Souza Rosa fica na Av. Koeler, 87 – Centro.