Recentemente, o Laboratório de Bioinformática – Labinfo, do Laboratório Nacional de Computação Científica – LNCC/MCTI (unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) identificou cinco mutações, caracterizando uma possível nova linhagem originária do B.1.1.28 do novo coronavírus. A análise, conduzida em colaboração com o Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as Secretarias de Saúde de Maricá e do Rio de Janeiro e o Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels sequenciou 180 genomas do SARS-CoV-2, provenientes de amostras do Estado do Rio de Janeiro.
A B.1.1.28 já circulava no Brasil no início do ano. As mutações são no C100U, C28253U, G28628U, G28975U e C29754U. Além dessas cinco, a mutação G23012A (E484K), no domínio de ligação ao receptor da proteína Spike, está amplamente espalhado nos genomas dessa linhagem. E484K foi anteriormente associada ao escape de anticorpos neutralizantes contra SARS-CoV-2.
A pesquisadora Ana Tereza Ribeiro de Vasconcelos, que é geneticista e bioinformata com doutorado em Genética pela UFRJ e que tem experiência na área de Bioinformática e de Biologia Computacional, atuando principalmente na integração de dados das várias camadas multi-ômicas através da computação de alto desempenho, além de responsável pelo Labinfo do LNCC, explica que de acordo com as análises filogenéticas, o surgimento desta nova linhagem ocorreu em julho de 2020 e foi identificada, principalmente, no Rio de Janeiro, em Cabo Frio, Niterói e Duque de Caxias na Baixada Fluminense.
Segundo Ana Tereza não existe indicação que essa linhagem seja mais transmissível ou que possa interferir na efetividade das vacinas que estão sendo desenvolvidas. Entretanto, ela ressalta a importância de estudos contínuos de vigilância genômica para análise da dispersão dessa nova linhagem e na identificação de novas variantes do SARS-CoV-2 no estado do Rio de Janeiro e no Brasil.
As análises indicam que a linhagem B.1.1.28 aparece como emergente, sendo identificada em 38 dos 180 genomas sequenciados. Por outro lado, os pesquisadores apontam que a linhagem B.1.1.33 está em declínio. O trabalho foi financiado pela Faperj, Ministério da Ciência e Tecnologia e submetido em 20 de dezembro ao MedRxiv.
O estudo pode ser visto neste link. O artigo é assinado pelos pesquisadores
Confira abaixo uma entrevista que fizemos com a pesquisadora Ana Tereza sobre esta nova descoberta:
AeP: Como acontece a mutação de um vírus?
Ana Tereza: As mutações virais acontecem, em sua maioria, durante o processo de replicação do vírus. À medida que o vírus faz cópias dos seu material genético para infectar novas células e pessoas podem acontecer erros que são guardados neste material genético e acarretarão ou não alterações no vírus. Temos observado que algumas vezes o próprio organismo humano pode induzir mutações no vírus como forma de defesa.
AeP: Como é feita essa descoberta?
Ana Tereza: A descoberta das mutações é feita a partir do sequenciamento genético, que determina toda a ordem de informações no material genético do vírus. Em seguida, fizemos a comparação com a sequência do primeiro vírus sequenciado na cidade de Wuhan, na China. Assim, todas as regiões diferentes entre as nossas sequências e a sequência original são então consideradas mutações.
AeP: Como uma nova cepa circulando pode afetar o atual cenário?
Ana Tereza: Ainda não sabemos claramente como a presença de uma nova cepa pode afetar o cenário nacional. É importante salientar que a todo momento novas cepas/linhagens estão surgindo no mundo. Isso acontece com muitos vírus. Temos que continuar monitorando para saber se haverá alguma alteração em uma proteína importante do vírus.
AeP: Uma mutação que torne o vírus ainda mais transmissível significaria mudanças ainda mais rígidas em relação ao atual protocolo de uso de máscaras, higienização e distanciamento social?
Ana Tereza: O surgimento de uma variante com maior capacidade de transmissão levaria a mudanças no nosso estilo de vida e nos protocolos atuais. Entretanto não temos evidências científicas para isso. Estamos começando os períodos das festas de fim de ano e do verão, onde normalmente temos um aumento nas viagens e nas atividades comunitárias e os protocolos da OMS devem ser continuados.
AeP: Há indícios de que isso torne o vírus mais perigoso, como agravamento dos sintomas?
Ana Tereza: Não sabemos se esta variante tem propriedades muito diferentes do que está circulando atualmente. Estamos trabalhando para entender como esta nova cepa se comportará e suas características. Neste momento só fomos capazes de diferenciá-la.
AeP: Essa mudança pode impactar na proteção oferecida pelas vacinas que já temos e que estão nas últimas fases de testes?
Ana Tereza: Não há evidências de que afete as vacinas que estão sendo desenvolvidas para esta nova cepa. Note que é comum que alguns vírus sofram mutações ao longo do tempo. Basta lembrar do caso do vírus da gripe. No entanto, quando comparamos ao novo coronavírus vemos que este último sofre bem menos mutações do que o vírus da gripe.
AeP: Caso seja constatado que essa mudança não é contemplada pelas atuais vacinas, o desenvolvimento de um imunizante teria que começar do zero?
Ana Tereza: Não. As diferentes vacinas existentes possuem muitas tecnologias que permitem sua constante atualização. Alguns vírus que tem taxa de mutação muito alta exigem desenvolvimentos anuais de vacinas, porém pelo que tudo indica não deve ser o caso do SARS-CoV-2.
AeP: Essa cepa descoberta em municípios do Rio é diferente da que foi recentemente descoberta no Reino Unido?
Ana Tereza: Sim, não se trata da mesma linhagem e sim de uma linhagem diferente da que está circulando lá. Ainda não temos relatos no Brasil de que esta linhagem esteja presente aqui.
AeP: O que significa, para leigos o trecho: “A E484K foi anteriormente associada ao escape de anticorpos neutralizantes contra SARS-CoV-2”?
Ana Tereza: Alguns estudos publicados por cientistas internacionais relataram, em experimentos laboratoriais, que os vírus que possuem a mutação E484K podem escapar dos anticorpos produzidos pelo sistema imune em alguns pacientes. Há indícios que os anticorpos que são produzidos por algumas pessoas infectadas têm dificuldade de agir sobre vírus com essa mutação. Esta mutação se encontra justamente na proteína da espícula (spike) responsável por se ligar as células humanas e introduzir o material genético do vírus no hospedeiro. Apesar dos estudos laboratoriais, não temos evidências do comportamento dos vírus com esta mutação do ponto de vista populacional. Muitos testes ainda tem que ser realizados para validar esse experimento.