Não há nada mais cruel do que o desaparecimento de uma pessoa. Conviver com as incertezas, passar a vida em busca de respostas, nutrindo esperanças (por mais ínfimas que sejam), sem nunca ter um ponto final.
Em “Ainda estou aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, conhecemos um pouco sobre a vida familiar antes e depois do desaparecimento de seu pai, a luta de sua mãe Eunice em busca de respostas sobre o que aconteceu com seu marido, e a batalha final contra o Alzheimer.
No dia 20 de janeiro de 1971, Rubens Paiva é levado para prestar depoimento aos militares. No dia seguinte, Eunice e uma de suas filhas, Eliana, também são levadas. É neste contexto que Petrópolis é mencionada pela primeira vez na obra.
Para proteger os netos, a avó materna tira as crianças que haviam ficado na casa do Leblon e os leva para lugares diferentes. Dois deles na região serrana do Rio de Janeiro.
“O caminho, reconheci na hora. Avenida Brasil, entrada à direita, estrada de Petrópolis. Me levava para a região serrana. Fiz algumas vezes aquela viagem. Petrópolis, Teresópolis, Araras… Muitos pais de amigos tinham casas lá. É perto do Rio, é fresco, é lindo, é imperial. (…) Subimos a serra de Petrópolis pela BR-040. A entrada para Nova Friburgo ficou para trás. Cruzamos Petrópolis à direita. Fomos em frente. Antes da estrada para Teresópolis, entramos à esquerda. Araras era o destino”.
Marcelo ficou na residência do casal Mindlin, “numa casa que era modelo de arquitetura modernista”. Já sua irmã Nalu estava “em Petrópolis, na casa do Marcílio Marques Moreira”, que foi Ministro da Fazenda durante o governo de Fernando Collor e presidente da Comissão Ética Pública do governo Lula.
Petrópolis volta a ser mencionada no final do livro, mais precisamente no último capítulo que apresenta a denúncia enviada pela família Paiva ao Ministério Público Federal. No tópico “quadrilha armada desenvolvida no contexto de organização criminosa”, destaca-se o seguinte trecho que menciona a Casa da Morte, localizada no bairro Caxambu:
“Ainda que os denunciados e demais integrantes da quadrilha agissem em nome do Estado, os crimes por eles cometidos não estavam, de nenhum modo, amparados pelo direito vigente à época, nem mesmo por aquele emanado do próprio movimento golpista. Os sequestros cometidos por integrantes da organização eram antijurídicos porque as prisões não eram seguidas de comunicação à autoridade judicial, como já determinava a lei vigente à época, havendo nos autos, ainda, provas de que, a partir de 1971, presos políticos foram levados a um centro clandestino de torturas mantido pelo CIE em Petrópolis, hoje conhecido como ‘Casa da Morte’”.
Um dos acusados pela morte de Rubens Paiva chegou a confessar que foi responsável por manter Inês Etienne Romeu no local. Ela foi a única sobrevivente da Casa da Morte.
Em agosto deste ano, o Governo Federal publicou o termo de convênio com a Prefeitura de Petrópolis para transformar a “Casa da Morte” em Memorial de Liberdade, Verdade e Justiça.

Sobre o filme
“Ainda estou aqui”, com direção de Walter Salles, levou o prêmio de “Melhor Roteiro” no Festival de Cinema de Veneza e se tornou elegível para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar. Fernanda Torres também aparece entre as cotadas para a categoria de Melhor Atriz, a mesma que sua mãe disputou em 1999 por “Central do Brasil”, do mesmo diretor.
De acordo com dados da ComScore, em seu terceiro fim de semana de exibição, no período de 21 a 24/11, o filme voltou a liderança da bilheteria nacional, levando 390 mil pessoas às salas de cinema. Desde sua estreia, mais de 1,7 milhão de espectadores já foram ver o longa.
Enquanto no livro temos mais informações e trechos de documentos sobre o que aconteceu com Rubens Paiva, além de falar mais sobre a luta de Eunice contra o Alzheimer, o filme traz uma atmosfera mais afetuosa, inserindo o público no ambiente familiar antes e depois do desaparecimento. Ambos se complementam e merecem ser conferidos.