Entrevistas

[Entrevista] Ana Paula Araújo aborda a violência doméstica em seu novo livro

Dados da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, apontam que 3,7 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar em 2025. Entre as vítimas de violência no último ano, 71% afirmaram que havia crianças presentes durante a agressão, das quais uma parcela significativa eram filhos e filhas das vítimas.

Quase 6 em cada 10 mulheres relataram que as agressões ocorrem há menos de seis meses, enquanto 21% afirmam conviver com episódios há mais de um ano. O levantamento do DataSenado se tornou a mais longa série histórica do país sobre o tema, tendo ouvido mais de 21 mil mulheres entre maio e julho de 2025.

Já de acordo com a pesquisa “Elas Vivem: um caminho de luta”, da Rede de Observatórios da Segurança, a cada 24 horas, em média, 13 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no ano passado. O levantamento se refere a nove estados monitorados pela entidade e aponta que o estado do Rio de Janeiro mantém a violência de gênero em patamares preocupantes e crescentes. Segundo a pesquisa, foi mais de uma centena de casos de violência sexual, como estupro.

Percorrendo todo o país em uma série de entrevistas, análises e pesquisas sobre esse tema, a jornalista Ana Paula Araújo lançou o livro “Agressão: A escalada da violência doméstica no Brasil”, mostrando todas as facetas da violência de gênero: física, psicológica, sexual, institucional e virtual. Ela esteve presente no Festival Literário Internacional de Petrópolis – Flipetrópolis e participou da mesa “A voz dos agredidos: Jornalismo e Literatura como Ferramentas de Conscientização”, ao lado de Jamil Chade e Sério Abranches.

Confira como foi o nosso bate-papo:

AeP: O que a motivou a escrever sobre o cenário da violência doméstica no Brasil?

Ana: Hoje a gente fala muito mais de violência doméstica do que há um tempo, mas ainda é um tabu, ainda é algo que muitas mulheres sofrem caladas. Com esse livro, eu comecei a receber a telefonemas de amigas e pessoas próximas a mim que vieram contar que passavam por aquilo ou já haviam passado por uma situação de violência e eu nem imaginava, então é algo que está muito perto da gente. Cada mulher que fala liberta várias outras. Há muitas mulheres que, a partir do depoimento de uma outra, conseguem buscar ajuda, ou percebem melhor o que elas estão passando e conseguem iniciar um movimento de sair de um relacionamento abusivo. Acho que temos que falar mais sobre isso.

No seu livro “Agressão”, você conversou não apenas com as mulheres que sofreram violência doméstica, como também com os familiares, com os próprios agressores, além de profissionais da área de saúde e representantes do judiciário. Como foi essa escuta?

Ana: Esse foco grande na vítima, muitas vezes acaba deixando-a numa situação de ficar com vergonha ou se sentir culpada, quando na verdade essa culpa e essa vergonha tem que ser do agressor. Nós, como jornalistas, temos que aprender a ter esse outro olhar, como por exemplo, não desacreditar o relato de uma vítima. Claro que na nossa profissão, temos que questionar e desconfiar de tudo, mas eu sinto que há um descrédito desproporcional quando se trata de uma mulher denunciando um homem que praticou alguma violência. Nós precisamos ter esse ouvido diferenciado, porque uma mulher que passa por uma situação de violência doméstica ou uma situação de violência sexual, convive com o trauma, geralmente é agredida por alguém que é muito próximo, então é muito difícil para ela denunciar. Quando ela consegue, a gente tem que fazer com que ela se sinta segura para falar, que ela saiba que não vai ser julgada, que ela não vai ser desacreditada.

AeP: O que mais te chocou durante o processo de pesquisa para o livro, percorrendo o país de ponta a ponta e ouvindo os depoimentos?

Ana: O que mais me chocou foi ver como as próprias vítimas caem nessa armadilha de achar que elas têm culpa pela agressão que elas sofrem. A gente cansa de ver as pessoas, num modo geral, questionando, por exemplo, quando uma mulher é vítima de violência doméstica, o porquê dela continuar naquele relacionamento ao invés de questionar o porquê o homem está agredindo essa mulher. E eu vejo que as próprias vítimas também se questionam, acham que são culpadas, pensam que se tivessem feito algo diferente não seriam vítimas daquela violência. Isso é algo que está muito presente na sociedade como um todo e faz com que a própria vítima acabe não denunciando, não achando que aquilo é tão grave assim, jogando a culpa para ela mesma… É todo um mecanismo que favorece o agressor, que faz com que ele seja desculpado permanentemente pela violência que ele pratica.

AeP: O que você acha que deve ser feito para começar a mudar esse cenário no Brasil, já que ainda temos um longo caminho a percorrer em se falando de violência doméstica?

Ana: Temos uma lei extremamente avançada, mas a lei não resolve tudo. Falta muita educação, falta mudar essa cultura que naturaliza a violência contra a mulher, esse pensamento de que “faz parte o homem ser agressivo e a mulher tem que tolerar e manobrar essas situações”, e acho que isso passa muito pela educação. Educação nas escolas, as crianças desde pequenas têm que começar, claro que com linguagem adequada, a ter esses ensinamentos sobre igualdade, sobre respeito, sobre relacionamentos não violentos, até porque, em geral, essas violências acontecem dentro de casa.

Educação nos cursos superiores, nas faculdades que vão formar os futuros policiais, delegados, médicos, psicólogos, e todos os profissionais que vão atender vítimas de violência, que vão entrar na administração dessas situações, têm que ter uma formação para  violência de gênero. Toda e qualquer mudança de verdade passa e começa pela educação.

AeP: Se você pudesse recomendar um livro que impactou a sua vida e que você acha que todo mundo deveria ler, qual seria?

Ana: Um livro chamado “Fome: Uma autobiografia do (meu) corpo”, da jornalista Roxane Gay, que esclarece muita coisa sobre os mecanismos que as vítimas passam quando sofrem uma violência dessas. Ela conta a história da vida dela depois de ter sofrido uma violência absurda, de como isso a impactou e como até hoje ela luta para lidar com esse trauma.

 

*Com informações da Agência Senado e da Agência Brasil

 

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