Como matar alguém que ama a vida? Como interromper aquilo que, só pelo brilho dos olhos, já chega a iluminar e trazer vitalidade para nossa própria existência? Como ser o homem que dirá “para” para outro que, mesmo desajeitado e descompromissado, você não consegue deixar de admirar, principalmente quando esse cara em apenas um dia lhe traz de volta uma vontade de viver que há muito tempo você já perdeu? Essas perguntas sem respostas são apenas o ponto de partida de Amigos inseparáveis (2012) de Fischer Stevens.
O filme é sobre Val (Al Pacino), um sujeito que após 28 anos na prisão tem sua liberdade decretada e é recebido por seu grande amigo Doc (Christopher Walken). O problema é que Doc tem, também há 28 anos, a incumbência de matar Val logo no dia em que ele saísse na prisão. Assim, ambos têm exatamente um dia para viver tudo aquilo que perderam em todos esses anos que ficaram pra trás. Sem tempo a perder, eles resolvem então ir até ao asilo onde Hirsch (Alain Arkin) está internado e o resgatam para uma última noite de diversão. A partir daí, eles passam por uma série de acontecimentos e peripécias nada usuais para homens de sua idade e aproveitam esses breves momentos como se ainda tivessem a vitalidade de jovens e sua urgência para viver.
O interessante de Amigos Inseparáveis é justamente isso: ele possui uma estrutura de filme de ação com tiros, sangues, brigas de gangue, drogas, mulheres, bebidas e perseguição de carros, mas com personagens que já não são heróis nem belos homens no auge da vida querendo tirar proveito dela, mas senhores com mais de sessenta anos que sentem que deixaram algo para trás e, finalmente reunidos, não tem tempo a perder. A urgência do primeiro e último dia de Val, misturado com a própria aproximação do fim da vida deles, faz com que os espectadores tenham a sensação de que o tempo precisa ser acelerado para que eles possam correr atrás do tempo perdido, mas como diz Val, com uma diferença: agora eles podem aproveitar.
Acontece que o mundo atual parece antigo para o grupo de amigos, como se o modo como eles se colocassem frente às coisas e as relações interpessoais de outrora já não se encaixassem na própria estrutura dos filmes da ação. Por exemplo, o personagem de Doc é um pintor de quadros, hipocondríaco que tem medo de carros em alta velocidade, enquanto Val é um senhor que acha que ainda pode cortejar mocinhas e, ao lado delas, ter uma dança a moda antiga. Já Hirsch é um excelente motorista que mal sabe como ligar carros automáticos. O fim da vida ali é latente e em Amigos Inseparáveis, não se dá por doenças terminais ou qualquer dramalhão comum aos filmes com esse tema, mas sim em pequenos detalhes desencontrados, bem humorados, divertidos, debochados, que escondem um pano de fundo melancólico daqueles que precisam deixar uma vida e que, no entanto, lamentam muito que isso vá acontecer em breve.
A péssima tradução de Stand Up Guys para Amigos inseparáveis retira um pouco da sensação que o filme passa. Eles não são inseparáveis, pelo contrário, podem, devem e sabem que irão se separar a qualquer momento, a grande questão é que eles “stand up” pelos outros, ou seja, estão sempre aí para ajudar, para levantar e lutar pela vida daqueles que amam. Vejo no filme uma grande homenagem aos amantes do cinema que podem ver Pacino, Walken e Arkin, em performances memoráveis, envelhecerem frente a nossos olhos e, com eles, acompanhar a abissal trajetória desses que estão entre os maiores nomes do cinema. É belo ver Pacino envelhecer assim, fazendo filmes bons e ruins, mas demonstrando um talento que não se esvai e um profundo amor por aquela atividade. Pacino nesse aspecto é como Val, seu personagem, um sujeito que no último dia de vida tem mais para viver que a maioria das pessoas que andam por aí.
Em um breve momento em que um inesperado funeral acontece, Val afirma que a memória aos poucos vai apagar cada um deles, mas que estar vivo é essa resistência que o tempo mantém em fazer sobreviver um e outro: o que vive e o que testemunha. Dessa forma, cada um desses três caras, companheiros de juventude e agora, mesmo que por um dia, na velhice, são testemunhas oculares daquilo que os outros são. E ao ver cada um deles crescer e mudar, são também responsáveis pela felicidade e pela perpetuação das lembranças dos momentos que passaram juntos.
Amigos Inseparáveis nos faz lembrar daquele bom cinema com filmes que parecem passar em segundos e que, sem deixar de ser para todos, refletem um sentimento compartilhado de que a vida é sempre aqui, agora e que não há sequer um segundo a perder. E qualquer problema é simples, basta enfrentar o mundo de peito aberto e apertar o gatilho como no final clássico de Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969).
“Amigos Inseparáveis” está em cartaz no Cine Bauhaus, com sessões às 16h e às 20h. A classificação é 14 anos.
Luiz Antonio Ribeiro é dramaturgo e poeta, formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO – Univesidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, onde atualmente cursa Letras – Português/Literaturas.