Vencedor dos prêmios Leya, Oceanos e Jabuti, Itamar Vieira Junior conquistou leitores não só de todo o Brasil com “Torto Arado”, como também teve sua obra traduzida em mais de 30 idiomas. Encerrando a trilogia, ele acaba de lançar “Coração sem Medo” e esteve no Festival Literário Internacional de Petrópolis, Flipetrópolis, para as mesas “A literatura e o pensamento social se encontram para compreender um país em transformação” e “Territórios e Vozes – Da Terra à Cidade no Brasil Negro”.
Confira como foi o nosso bate-papo abaixo:
Devido ao imenso sucesso de vendas, críticas e impacto cultural, muita gente já considera “Torto Arado” um clássico. Como você enxerga toda essa repercussão?
Itamar: Eu sempre penso nos leitores. Alguns leitores costumam falar isso, mas para mim só o tempo. A gente vive na urgência de tentar classificar, apreender o nosso tempo de uma maneira imediata, mas eu acho que a trajetória de um livro se faz com o tempo. Não sei se quando Graciliano Ramos lançou “Vidas Secas” disseram imediatamente que o livro seria um clássico… Hoje o interesse das pessoas é o da leitura desse livro, se permanecer assim durante um tempo, talvez tenha o seu lugar no cânone da literatura brasileira.
“Torto Arado” já virou musical, ganhou os palcos dos teatros e foi anunciado que viraria uma série da HBO Max. Você está envolvido na produção?
Itamar: Não estou envolvido. Essa coisa de audiovisual é muito complicada, demora muito tempo, depende de captação, de interesses, de tantas coisas, e se eu ficar envolvido acho que não faço outras coisas e o que eu sei fazer melhor é escrever. Então, prefiro continuar escrevendo e no dia que acontecer, aconteceu.
Como seu mais novo lançamento, “Coração sem medo”, encerra a trilogia iniciada por “Torto Arado”? Você planejou essa conexão entre as histórias desde o início?
Itamar: Quando eu comecei a escrever “Torto Arado”, eu não sabia que seria uma trilogia, mas durante a escrita, lá pelo meio do livro, aquela afirmação simples, quase ingênua, de retratar uma relação de amor das personagens, dos trabalhadores rurais com a terra, foi se tornando algo maior. Aí eu percebi que era uma história sobre um direito vital de todo e qualquer ser vivo que é o direito ao chão que habita, ao chão que trabalha, a terra que se vive seja no campo seja na cidade. Então quando terminei “Torto Arado”, eu já sabia que seria uma trilogia, tanto que antes de publicar no Brasil, eu escrevi para o editor, apresentando o livro antes da editora adquirir os direitos, dizendo que aquele era o começo de um projeto maior.
Somente no lançamento do segundo livro, “Salvar o Fogo”, é que isso ficou claro. “Coração sem medo” é o encerramento da trilogia e vai contar a história daqueles que foram desterrados, que não puderam mais lutar pela terra e foram habitar a cidade, e vão descobrir que a cidade também é um território em disputa, que não pode habitá-la da mesma maneira, que existem áreas dominadas por grupos criminosos, que o Estado não age da mesma maneira em todos os lugares, ou seja, vai descobrir que essa questão permanece. Ao mesmo tempo, tudo isso imbricado com uma história, a história do país, a história da nossa formação, a história da diáspora na nossa formação.
Temas como a ancestralidade e o direito à terra são marcantes em suas obras. Como você chegou nesse caminho de incorporar esses elementos nas suas histórias?
Itamar: Os três romances se ambientam num tempo muito próximo ao nosso. A história de “Torto Arado” compreende um marco de quase 40 anos, que vai dos anos 1960 ao início dos anos 2000. “Salvar o Fogo”, dos anos 1970 até o início dos anos 2000, e “Coração sem medo” que vai até o nosso tempo, 2025. São histórias que falam de questões que nos assolam neste momento, mas que têm as suas raízes no passado. Era inevitável não trazer esse elemento histórico de diferentes maneiras. No primeiro romance existe uma personagem que é um espírito, que é uma encantada que faz essa ponte entre o leitor e o passado, coisas que essas personagens não poderiam fazer. No último livro é o narrador que tem essa liberdade poética de fazer essa ponte. Para mim era importante, já que estamos escrevendo sobre terra, falando de eventos históricos que fundaram o Brasil, que essas histórias aparecessem no romance.
A terra, em nossa língua, é um substantivo feminino e são essas personagens mulheres que estão conduzindo o leitor para compreensão dessa história. Eu sou geógrafo de formação e acho que isso contribui para pensar o mundo não como um cenário, não como palco vazio, mas pensar o mundo como um mundo vivo, que está interagindo a todo momento com as personagens, com o leitor e esse mundo vivo que nos cerca.
AeP: Se você pudesse recomendar um livro que impactou a sua vida e que você acha que todo mundo deveria ler, qual seria?
Itamar: São muitos, mas para resumir, eu tenho uma verdadeira paixão e adoração por “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa. Acho que é um livro que atravessa o tempo, é uma aula de literatura, de linguagem, de narrativa, de história, de criação de personagens…
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