Não deve ter sido fácil ser um americano no pós-guerra. De um lado, pessoas descontentes com a violência das bombas atônica indo de encontro à lógica do país do futuro, querendo se encontrar em nichos e minorias, buscando seu espaço no microcosmo social. Do outro, pessoas enriquecendo participando do sonho americano onde todos são felizes, ricos, próspero e moram no país mais livre do mundo. Entre eles, uma impossibilidade de comunicação e uma revolta.
Quem bate à minha porta? (1967), segundo filme de Martin Scorsese, é sobre J.R. (Harvey Keitel), um rapaz que participa de uma proto-gangue à lá italiana formada por seus amigos americanos, machistas, violentos e reacionários. Um dia, ele conhece uma moça (Anne Collette) com quem começa a manter uma relação, entretanto, ao descobrir que ela não é mais virgem ele é obrigado a rever todos os seus conceitos.
Claramente influenciado pela Novelle Vague francesa e por Godard, Scorsese parece gestar no filme grande parte das características de sua obra: religiosidade e violência misturadas, bebidas, drogas, misoginia, entre outros. A edição com cortes desconexos e montagem pela lógica da sensibilidade, expondo o dispositivo com que é feito, dá um tom quase noir ao filme, de uma secura que afasta/aproxima o espectador, diferente dos posteriores filmes do diretor em que somos quase colados aos dramas das personagens.
Destaco uma cena em especial em que J.R. está em uma sala vazia e ao som de “The End” do The Doors faz circular por sua cama diversas mulheres, morenas, loiras, negras, com quem se envolve sexualmente. A nudez dos corpos, a luz na janela e a voraz trilha de Morrison faz um belo contraste com a cena anterior que ele nega sexo com sua nova namorada por querer mantê-la virgem.
Aliás, é possível ver a religiosidade desde a primeira cena em que as crianças, ao redor da mesa, assistem sua mãe ao lado de uma santa servir o que seria uma espécie de sagrado pão em que todos comem juntos. No entanto, mais uma vez esse sentimento gera culpa que impede a libertação de J.R. que, ao descobrir que a moça não é mais virgem, não pode mais estar perto dela. Eis aí o dilema: amar e não perdoar? Como ser um homem e ter uma mulher que foi de outro? O machismo e até uma espécie de misoginia é o tema que percorre o filme, basicamente masculino, como costumam ser as obras de Scorsese.
Quem bate à minha porta? parece ligar as pontas da filmografia do diretor e, quem assiste, não deixa de ver ali, ainda em preto e branco, os principais elementos que serão explorados em Taxi Driver (1976), Os Infiltrados (2006), entre outros.
Luiz Antonio Ribeiro é dramaturgo e poeta, formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO – Univesidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, onde atualmente cursa Letras – Português/Literaturas.