Cinema

Crítica: Robocop (2014)

Esse tema é polêmico! Ou melhor, controverso, uma vez que a polêmica, em geral, é vazia de significado, enquanto que os temas controversos são os que devem ser debatidos mais amplamente. Percebo duas tendências entre o pensamento intelectual atualmente: de um lado, há aqueles que, em seus estudos, tentam reintegrar o homem à natureza, ou seja, são pessoas cujas iniciativas projetam uma espécie de um retorno, na medida do possível, para uma época que antecede ao nosso conceito de indivíduo. Segundo eles, essa cisão ou corte, fez com que perdêssemos aquilo que nos seria essencial: nossa capacidade de nos relacionarmos de maneira saudável com o mundo e com o outro.

Do outro lado, existem pessoas que acreditam nas máquinas. E aí que está o que há de mais controverso: essas pessoas percebem que o corte entre o homem e o mundo é tamanho e de tal forma impossível de ser refeito, que veem nas máquinas uma potência positiva de composição de um novo ser humano, por fora das amarras do que nos seria biológico, psicológico e, principalmente, espiritual. Elas acreditam que incorporando a lógica do ciborgue para o corpo dos homens, a construção de identidade passa a ser política e individual, por fora das amarras da história, dos preconceitos e de toda uma trajetória tradicional. Segundo eles, é engendrando o pós-humano que se pode salvar a humanidade. Faço essa longa introdução para chegar propriamente em meu objetivo: escrever sobre Robocop (2014), de José Padilha.

A refilmagem do clássico Robocop para o cinema contemporâneo conta a história de Alex Murphy (Joel Kinnaman), um policial que, ao enfrentar criminosos poderosos da cidade de Detroit, acaba por sofrer um atentado e ter grande parte do corpo queimado. Um conglomerado multinacional chamado OmniCorp, que produzia robôs para invadir e cuidar da segurança de outros países, resolve fazer de Alex um herói e transformá-lo em metade homem, metade máquina, para que ele seja o precursor do programa no próprio Estados Unidos.

A grande questão no filme, e isso é o mais sensacional, é que ainda há um homem por trás da máquina, mas, ao mesmo tempo, há também uma máquina por trás do homem. Enquanto máquina, Alex é um profissional exemplar: tem a força, a estrutura, a precisão e a correção de toda máquina, impassível de cometer erros ou desvios de consciência e caráter. Enquanto homem, há sensibilidade, subjetividade, desejos, vontades, sentimentos, raiva, temor. Juntos, nesse amálgama praticamente impossível de se combinar, Robocop se torna a mais potente das forças. Nesse sentido, posso me colocar ao lado daqueles que creem na fusão de máquinas e homens. Creio que grande parte de nossos problemas se relacionam a questões “humanas” que não conseguimos abandonar. Vejamos algumas opiniões:

1- Donna Haraway em seu Manifesto Ciborgue afirma que só a lógica dos ciborgues, incorporada em nossa sociedade, pode destruir o machismo, o paternalismo e o patrimonialismo.

2- Rogério Sylab, poeta, compositor e performer, diz que os travestis são o que há de mais contemporâneo, pois na medida em que eles compram e constroem seus corpos, eles burlam a bio-lógica, e assim se tornam potências pulsantes de vitalidade andrógina e simbiótica.

3- O dramaturgo Maeterlink, em seu texto Androides, diz que a crise do teatro existe porque os personagens e os atores estão mortos, mas só a morte pode salvar o teatro. Para ele, então, os androides seriam potências de morte em cena, os únicos capazes de recolocar a presença e a voz no palco.

Robocop, de certa forma, é um pouco de tudo isso. José Padilha, no entanto, aponta para algo que não pode passar despercebido: existem homens e política por trás de tudo. Enquanto a máquina é impassível de cometer desvios, os homens continuam organizando seus podres poderes e, no caso, resolvem utilizar Alex como máquina política de manipulação das massas. Padilha, sempre político, vai apresentar os Estados Unidos como imperialista e violento. Parece muito claro o ímpeto do diretor em apontar para o horror de toda “máquina-humana” movida por interesses que não sejam os próprios homens. O capital e o poder, juntos, são os que mais matam.

O filme é intenso e de uma eficácia espantadora. Impecável na produção de discussões e temas para debate. Mais uma vez, assim como em Tropa de Elite, Padilha consegue mesclar penetração no público com um intenso debate sobre temas relevantes para a sociedade. A crença nas máquinas é só uma das faces do pensamento e todas as outras devem ser escolhas nossas, feitas diariamente, na busca de um mundo melhor.

O filme continua em cartaz no Cinemaxx Mercado Estação, com sessão às 18h. A classificação é 14 anos.

luizLuiz Antonio Ribeiro 28 anos, dramaturgo, letrista, crítico e flamenguista. É bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja e ócio criativo. Desde 2011 é membro do grupo Teatro Voador Não Identificado. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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