Coluna Literária

[Coluna literária] “Pequeno tratado da intolerância” – Charb

No dia 7 de janeiro de 2015, o mundo inteiro acompanhou o atentado à sede do jornal satírico Charlie Hebdo, que deixou 12 mortos. Entre as vítimas, estava o caricaturista, jornalista e diretor do jornal, Stéphane Charbonnier, mais conhecido como Charb. Sua carreira foi marcada por tiras com críticas à religiões, ao governo, chegando a ser colocado sob proteção policial após ter sido ameaçado de morte por suas caricaturas de Maomé.

O “Pequeno tratado da intolerância” reúne crônicas ácidas e divertidas sobre temas aleatórios da vida cotidiana, não perdoando nada e nem ninguém. Charb destila seu ódio pelos mal barbeados, jovens papais, tatuados, fabricantes de sapatos, festivais, designers, lâmpadas frias, torcedores de rugby, até ao DNA, ditados e o verbo “impactar”.

Abaixo, selecionei alguns trechos do livro para que vocês também possam conhecer um pouco do trabalho desse cartunista tão afiado. Mas já vou logo avisando que se você leva tudo para o lado pessoal e se ofende facilmente, talvez este livro não seja a melhor opção para você…

“Quando você diz ‘eu te amo’, o outro ouve: ‘Quero construir minha vida com você, compartilhar tudo até que o aquecimento global nos separe’. ‘Eu te amo’ significa muito mais do que três palavras podem significar. ‘Eu te amo’ é um pen drive que contém milhares de páginas de um contrato perverso e cheio de armadilhas, onde tudo vem escrito em cirílico. ‘Eu te amo’ é um compromisso total e definitivo, um pedido de casamento. Não se pode amar nem um instante. Quer dizer, sim, se pode, mas não se deve dizer. Amar implica perpetuidade. Amar é grave. Quem diz ‘eu te amo’ para todo mundo é porque não ama ninguém, pensa o semilegume condicionado por telenovelas a quem você acaba de ingenuamente confessar seus sentimentos”. (Da crônica Morte aos unhas de fome do amor!)

“A única coisa que diferencia a classe executiva da classe comida-de-merda é essa cortina que corre pra lá e pra cá. O único prazer do burguês em estar na primeira é mostrar aos proletários que eles estão na segunda. No mais, são as mesmas rações minúsculas de sucos industrializados de frutas”. (Da crônica Morte à classe executiva!)

“Pode até parecer um paradoxo desejar a morte de pessoas que se suicidam. O problema do cigarro não é que mate, mas que mate lentamente – lentamente demais – e empesteie o ar por tanto tempo.” (Da crônica Morte aos fumantes!)

“O papel do jornalismo não é parafrasear a realidade óbvia, mas explicar o que ela eventualmente esconde. De vez em quando o jornalista esportivo fecha a matraca para dar voz a alguém ainda mais insignificante: o esportista.” (Da crônica Morte aos jornalistas esportivos!)

“Como respeitar um cara que zela pela aplicação de leis tão sem sentido? O árbitro está ali para convencer trogloditas da seriedade do esporte. Não cola. Até o torcedor mais burro sabe que, no fundo, o futebol é só pretexto para encher a cara e sair na porrada.” (Da crônica Morte aos juízes de futebol!)

“O que a sua vida tem de tão extraordinário para que você se agarre a ela como um chato nos pentelhos? ‘Só tem uma’, sabemos que só tem uma! E para que mais? Para fazer pela segunda vez as mesmas idiotices que já fez e, no fim, choramingar de novo porque não quer morrer?” (Da crônica Morte aos que têm medo da morte!)

Marianne Wilbert

Jornalista, pós-graduada em mídias digitais.
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