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[Coluna] Psicanalista fala sobre o processo de luto

por Virgínia Ferreira

Usualmente, morte, suicídio, luto, doença mental e sexo são, dentre outros, temas considerados tabus. É necessário debatê-los, discuti-los a fim de desmistificá-los e livrá-los das amarras do desconhecimento, do medo e, com isso trazendo para a realidade cotidiana, do qual fazem parte. Agregado a alguns desses temas ainda se tem as superstições (chinelo virado traz a morte da mãe). De acordo com Chemama (1995, p. 128), “diante do reconhecimento do desaparecimento do objeto, o sujeito precisa realizar um certo trabalho, o trabalho de luto. A libido precisa se desligar das lembranças e esperanças que a relacionam com o objeto desaparecido, depois do que o eu volta a ser livre”.

Libido é a energia psíquica que necessariamente precisa se desligar das esperanças de um possível retorno do objeto perdido, para que assim, o eu possa voltar a ser livre. LUTO – Morte – Desaparecimento – Perda – O objeto se desligou de você. Por opção ou por fatalidade. Só para esclarecer: você tanto pode fazer o luto por uma pessoa que morreu, como você pode fazer o luto por uma pessoa que simplesmente não quer mais se relacionar com você. Você tanto pode fazer um luto por uma casa que você gosta muito, mas que você a deixará para morar numa maior e mais confortável. Você tanto pode fazer o luto por sua situação real, como por uma fantasia, uma ilusão que você não mais consegue sustentar. O luto necessariamente participa da experiência humana, isso por pelo menos dois motivos, são eles: 1 – porque nada é para sempre e 2 – porque viver é fazer escolhas, se escolhemos por A, precisamos abrir mão de B. Chamando para nossa conversa o psicanalista argentino naturalizado francês J-D.Nasio “[…] os limites do corpo são bem mais estreitos que os limites do desejo” (1989, p. 13). Não podemos ter tudo.

Luto tanto pode ser um processo emocional saudável importante para saúde mental que se dá devido à morte ou perda, real ou abstrata de um objeto / situação pela qual se tem afeto. Como pode ser um processo “patológico”, quando a pessoa entra em luto e não consegue sair dele, por exemplo. Desta forma, podemos nos enlutar por tudo aquilo que tivemos (na realidade ou na fantasia) e que não temos mais. Enlutamo-nos no presente por uma ausência que um dia se fez presente. O luto não é um vazio, é uma dor, porque se fosse um vazio, não seria luto. Isso quer dizer que o luto é uma dor que dói, que incomoda, que se faz presente denunciando várias ausências – tudo o que se vivia com o objeto perdido. A intensidade e a amplitude da dor estarão na razão direta do sentimento / vínculo que se tem pelo objeto perdido.

Estamos até agora, referidos a lutos mais frequentes e mais visíveis. Entretanto, há inúmeros outros lutos, como por exemplo: uma pessoa que está em estado terminal em cima de uma cama. Na quarentena, estamos vivendo luto ou lutos? Se estamos, qual é ele ou quais são eles?

Para todos aqueles que perderam alguém ou alguma coisa (emprego) ou que estão na eminência de perder, há luto sim. Para todos os demais, não há luto, há medo e incertezas que sempre povoaram nosso imaginário e que a quarentena só potencializou ou as tornou manifestas.

Senhores, que possamos viver cada dia, entendendo que nada é para sempre. Se nada é para sempre, haverá lutos. Isso quer dizer que: 1 – fazer o luto é necessário; 2 – pode-se entrar em luto anos após a “perda” do objeto. (haja barganha psíquica. Certamente, produzirá sintomas); 3 – a pessoa pode nunca entrar em luto (ou viverá negando a perda do objeto ou manterá a libido ligada ao objeto. Em ambos os casos, produzirá sintomas); 4 – a pessoa pode nunca sair do luto (produzirá sintomas) e 5 – a pessoa pode fazer sua passagem pelo luto e encerrá-lo, mas tende a manter o objeto perdido como referência para comparações.

Segundo Nietzsche, “há sempre um preço que se pagar por tudo que é humano”. Entretanto, o mesmo Nietzsche diz que “nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo”. Desta forma, pagamos um preço pelo luto, mas nos apropriamos de nós mesmos a cada luto que corajosamente fazemos.

Virgínia Ferreira é psicanalista, professora do curso de Psicologia e Coordenadora da Pós-graduação em Psicologia Clínica com ênfase nas Perspectivas Breves da UNIFASE.

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